Ao iniciarmos mais um ano convido você a refletir sobre a vida dentro de um processo e não somente pensar no momento. No entanto, no mundo contemporâneo é muito difícil vislumbrar pessoas e instituições preocupadas em gerar processos que favoreçam a vida e dignidade humana.
Na maioria das vezes o que se busca é o resultado imediato fruto de um utilitarismo que gera ganhos políticos e econômicos. A história vai avaliar a ação pessoal e eclesial a partir da promoção da dignidade humana.
No contexto da vida cristã o critério deve ser sempre processos possíveis e tendo em vista que a estrada é longa e não termina com uma geração. O próprio Jesus mostrou aos seus discípulos que o processo é importante, pois tem coisas que ainda não é possível ser compreendida no momento atual. A parábola do trigo e do joio (cf. Mt 13, 24-30) descreve um aspecto importante da vida cristã que consiste em mostrar como o inimigo pode ocupar o espaço do Reino e causar dano com o joio, mas é vencido pela bondade do trigo que se manifesta com o tempo.
Na vida cristã é imprescindível haver o encontro entre as pessoas afim de gerar processos de fraternidade. No entanto, a vida cristã como encontro exige alguns elementos próprios, tendo o próprio Deus como inspiração que vem ao encontro da humanidade: Tempo - todo relacionamento exige tempo de conhecimento, é necessário dispensar tempo para o outro; Testemunho - o testemunho é dado na vivencia do dia a dia, nos encontros, na convivência, na oração em comunidade; Presença - o cristão é chamado a ser presença de Deus na vida dos irmãos e das irmãs.
O cristão necessita demonstrar que passou por um profundo processo de conversão a partir do encontro com Jesus Cristo, para então gerar na comunidade o desejo de também trilhar o caminho de Jesus, sabendo que não será algo imediato, momentâneo, mas um processo para a vida toda.
Para que o processo na vida cristã seja fecundo é necessário concentra-se no essencial. Por isso, o Papa Francisco convida a Igreja ao discernimento de questões essenciais na missão evangelizadora e para isso vai lembrar os ensinamentos de São Tomás de Aquino e Santo Agostinho que afirmavam que os ensinamentos dados por Jesus e os Apóstolos foram poucos e que os preceitos adicionados posteriormente pela Igreja devem ser exigidos de forma moderada para não tornar muito pesado a vivencia cristã. (Evangelli Gaudium, 43).
O risco de não concentrar no essencial e primar por questões periféricas é transformar a religião em escravidão, quando na verdade a comunidade e cada cristão é chamado a ser um “oásis de misericórdia” onde todos sejam livres e também permita que todos sejam atingidos pela mensagem salvadora (Evangelli Gaudium, 43).
O Papa Francisco na Evangelii Gaudium traz algumas inspirações no sentido de não perder tempo com coisas periféricas, mas concentrar-se no essencial. Quatro pontos principais são citados pelo papa: o tempo é superior ao espaço; a unidade prevalece sobre o conflito; a realidade é mais importante do que a ideia e o todo é superior à parte. O texto não está menosprezando a importância do espaço, do conflito, da ideia e da parte que são realidades que fazem parte da vida humana. O que se ressalta é que o cristão deve priorizar o essencial e, neste caso, é o tempo, a unidade, a realidade e o todo. (Evangelli Gaudium, 222-234).
A ideia de concentrar-se no essencial pode ajudar o cristão no seu processo de conversão e ao mesmo tempo colaborar com a conversão da Igreja. Isso porque muitos problemas e conflitos eclesiais fogem do nível essencial e paira sobre questões supérfluas, periféricas e sem muita importância. Leva muitos cristãos e comunidades a tentação de aderir a valores não verdadeiramente cristãos. O escritor Segundo Galilea define essas tentações como os demônios da missão cristã. São eles: messianismo; ativismo; fazer da confiança em Deus uma farsa; não confiar na força da verdade; pregar problemas e não certezas; reduzir a esperança; perder o sentido das pessoas; fazer acepção de pessoas; sectarismo; fechar-se em sua própria experiência; esperar do apostolado uma carreira gratificante; perder o gosto pelo apostolado; a instalação; carecer de fortaleza ou vigor; inveja pastoral; perder o sentido do humor (GALILEA, 1991, p. 29-67).
Convido você a ver sua vida em 2022 como um processo que envolve toda sua história: o passado: já vivido e que não pode ser mudado ou vivido de novo); o presente: que deve ser vivido intensamente, mas que não é desligado do passado. Pode ser reflexo ou consequência do passado vivido.
No entanto, o presente oferece a possibilidade de novas escolhas e tomar rumos diferentes na vida; e o futuro: que é um sonho uma utopia, mas que também não estará desligado do passado e do presente. O futuro pode ser visualizado ou contemplado a partir das escolhas passadas e também da vivencia presente.
Neste ano novo queremos ser nas mãos de Deus como o barro nas mãos do oleiro, que Ele possa realizar a sua vontade em nós (Jr 18,1-6). Somos um projeto inacabado e confiamos no nosso construtor, queremos construir com Ele um processo que nos leve a salvação.
Feliz Ano Novo a você e toda a sua família!
Pe. Odair Lourenço Ribeiro
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